Sem despedidas
- Cláudia Cavalcanti
- 19 de nov.
- 2 min de leitura
Naquele dia 25 de novembro, ela saiu do carro esbaforida e gesticulando, usando uma calça branca e uma blusa com listras coloridas em tons pastéis.
- O motorista passou por todos os buracos possíveis do Rio de Janeiro!
Disse, reclamando da forma descuidada como o motorista a conduziu até o hospital onde eu esperava para acompanhá-la em um exame de rotina.
Já na recepção, o azedume da chegada deu lugar ao bom humor que lhe era peculiar e respondeu para a atendente que preenchia a ficha médica, que eu era a sua mãe: "Agora é ela quem cuida de mim." O que eu, realmente, fazia. Mas por gosto e prazer, não por necessidade, já que ela era totalmente lúcida e independente.
Entramos no consultório. Médico e enfermeira iniciaram os preparativos e instruções para realizar o exame de imagem que eu observava sentada num cantinho da sala com pouca luz. Enquanto o médico analisava as imagens na pequena tela iluminada e dava as explicações técnicas sobre o que via, nossos olhares se cruzaram e, não sei porquê, me emocionei com aquele amor, aquele abraço quentinho e aquele carinho que vinham dos seus olhos e pousavam sobre mim.
Nos sentamos na recepção para aguardar o resultado e, como de costume, engrenamos numa conversa tão boa, que nem percebemos o médico chegar com aquele envelope enorme nas mãos:
- Tudo certo com seus exames, Srª Maria.
- Ótimo! Então, do coração eu não morro!
Saímos rindo e eu a convidei para tomarmos um café em casa, o que foi aceito imediatamente sob o pretexto de que precisava "fugir da poeira" da pequena reforma que ela e meu pai estavam fazendo. Além do mais, estávamos saindo de um período de reclusão por causa da pandemia e seria uma oportunidade para reunir a família novamente, ainda que só uma parte dela. Minha filha caçula e meu genro, quando souberam que teríamos uma ilustre companhia para o café da tarde, desmarcaram seus compromissos e ficaram nos aguardando.
Passamos na padaria, compramos pães quentinhos, telefonei para avisar ao meu pai que ela demoraria para voltar, chegamos em casa e fomos recebidas com muita alegria, abraços, beijos, lambidas da cachorrinha e felizes por que estava tudo voltando ao normal.
Fiz uma chamada de vídeo para o meu irmão: olha quem veio tomar café aqui em casa! Ele e ela se falaram, fizeram as piadinhas típicas da nossa família e enceram a chamada com um 'eu te amo' recíproco.
Nos sentamos a mesa com nossas xícaras e nossas risadas, com as velhas e boas brincadeiras de família, com as implicâncias sobre a faca cega, com as críticas sobre os meus hábitos alimentares, com mais risadas... com um olhar preocupado do meu genro e, de repente, ela parou. Disse que estava se sentindo enjoada e, com aquele jeito elegante, quis ir ao banheiro. Estava se sentindo muito mal. Vomitou e evacuou.
Sugeri que tomasse um banho quente, colocasse um pijama e deitasse "no meu lado da cama para sentir o bafinho do meu travesseiro". Ela deu um risinho, falou para eu deixar de ser besta, sentou-se na cama reclamando da altura e da rigidez do colchão e recostou na cabeceira.
Foi a última vez que nos vimos nessa dimensão.





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